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São Roque de Montpellier, o Médico Celestial

Muitos santos medievais, pertencentes à nobreza, renunciam inteiramente a sua condição social - e este é bem o caso de São Roque - para praticarem a perfeição da virtude cristã no despojamento completo dos bens deste mundo. E isto o Santo realizou como peregrino, que faz lembrar o Bom Samaritano, socorrendo as vítimas da peste negra  que então grassava em várias regiões da Itália e também da França, sua terra natal.

No tempo de Roque

Pode-se dizer que, à época de São Roque (1295-1327), o mundo cristão vivia uma situação duplamente pestilencial: no sentido espiritual, e também no material.

Pesava sobre a Igreja Católica a luta entre o Papado, o Império e o Reino da França. As divisões daí decorrentes influenciaram o Sacro Colégio dos Caldeais. Em conseqüência, os Papas deixaram a Cidade Eterna e se estabeleceram em Avinhão (sudeste da França, próximo de Montpellier, cidade natal de São Roque).

Em 1304, morria o bem-aventurado Bento XI, e no ano seguinte, num conclave trabalhoso foi eleito na França, como Papa, o Arcebispo de Bordéus, Dom Bertrand de Got, com o nome de Clemente V (1305 a 1314). O novo Papa estabeleceu-se em Avinhão, onde levantou palácios, corte e fortalezas. Durante 70 anos os Papas ali residiram.

Entre os católicos, as heresias faziam suas vítimas, afastando o povo da verdadeira doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo: valdenses, cátaros e albigenses, patarinos, os beguardos.

E, para acréscimo de sofrimento, a peste negra afugentava as populações das cidades e dizimava com morte dolorosa.

De família abastarda, renunciou a tudo...

Nasceu em Montpellier, no começo do reino de Filipe, o Belo, de um gentil-homem chamado João. Sua mãe, chamada Libéria, que pediu muitas vezes um filho a Deus, pôs todos os cuidados em lhe inspirar a piedade cristã desde o berço. 

O Santo, com toda certeza, cursou as escolas de sua cidade, especialmente a célebre Faculdade de Medicina. E este estudo não foi inútil para seu futuro aposto lado entre os doentes e empestados, em favor dos quais operou incontáveis milagres. Ele ficou órfão ainda jovem, e quando atingiu os 20 anos de idade, devia assumir a direção do palácio familiar e a administração de vastas terras. 

... para auxiliar os doentes

São Roque lembrou-se da passagem do Evangelho sobre o moço rico, e do apelo que fizera Nosso Senhor quando lhe respondeu como deveria fazer para ser perfeito.  Distribuiu aos pobres o que podia dispor, deixou a administração dos fundos de terra a um de seus tios, afastou-se do país, e encaminhou-se para Roma, com vestes de peregrino e de mendigo. 

Atravessando a Toscana, soube que a peste tinha chegado à cidade de Aquapendente: foi para lá oferecer-se para servir aos pestilentos. Seguiu a peste a Cesena, a Rímini, e por fim, a Roma, servindo por toda parte sem cessar os que por ela eram atingidos. Todo o seu desejo era fazer a Deus o sacrifício de sua vida naquela espécie de martírio. Depois de se ter sacrificado vários anos e em várias cidades da Lombardia, caiu doente em Piacenza. Para não incomodar os outros doentes do hospital, pelos gritos involuntários que lhe arrancavam as dores intermináveis, arrastou-se até uma cabana na entrada de um bosque. Um gentil-homem chamado Gotardo, que morava na vizinhança, deu-lhe as coisas necessárias. Deus recompensou um e outro: deu a Roque, uma saúde perfeita e Gotardo, comovido por seus exemplos de virtude, resolveu deixar o mundo para servir a Deus, no retiro.

São Roque, saindo da Itália, voltou ao Languedoc, com o hábito de peregrino e foi hospedar-se numa aldeia que tinha pertencido a seu pai e que ele mesmo tinha cedido ao tio. Como se estava numa época de hostilidades, narra-se que foi preso por um espião e levado ao juiz de Montpellier, que era seu mesmo tio, e que o pôs na prisão, sem o conhecer. 

Assim, durante oito anos, a Itália tomar-se-á sua pátria de adoção, como santo protetor contra as epidemias. Ele chegou à sua cidade natal em trajes de peregrino, sem revelar sua identidade, e foi tomado por vagabundo e espião, pois Montpellier vivia momentos de grande agitação política. Por ordem do próprio tio, Bartolomeu Rog, foi encarcerado. Roque, que só aspirava a viver oculto em Deus, no meio de humilhações e sofrimentos, ficou cinco anos naquela prisão, sem que ninguém se lembrasse de esclarecer aquele negócio, e sem ele mesmo disse se tivesse preocupado.

Morreu, segundo a opinião maios comum, a 16 de Agosto de 1327, com 32 anos de idade. Só então é que se soube quem era ele, pois deixara sob sua cabeça uma tabuinha com o seu nome escrito.Sua memória tornou-se célebre pelos milagres, que o invocara desde então, contra as epidemias. 


Tendo perdido o pai e a mãe na idade de vinte anos,
 viu-se senhor de grandes riquezas.
A notícia despertou entre os habitantes da cidade uma emoção profunda. Clero, nobreza e povo, também das cidades vizinhas, acorreram para venerar seus despojos expostos à visitação pública, primeiro no palácio da família, e depois na igreja de Nossa Senhora des Tables. Para reparar a injustiça, seu tio Bartolomeu mandou erigir, na cidade vizinha de Miguelone, artístico mausoléu em forma de capela. E o povo proclamou-o Santo Padroeiro contra epidemias e doenças graves.

Em 1485, a maior parte de suas veneráveis relíquias foram transferidas para Veneza, onde a Irmandade, instituída sob seu patrocínio, construir-lhe-ia a mais célebre igreja. A Sereníssima República, rainha dos mares, haveria de ser o foco de irradiação da devoção e de seu culto para o mundo inteiro.Seu nome foi inserido no martirológio romano a 16 de agosto.

Conforme à tradição ...

Após a morte de Gregório XI, em 1378, um Papa e dois antipapas disputavam a Cátedra de São Pedro: o Cardeal Pedro de Luna (Bento XII), Baltasar Cossa (João XXIII) e o Papa verdadeiro, Cardeal Ângelo Corai, que tomou o nome de Gregório XII. Era o cisma instalado uma vez mais na Igreja!

Para dirimir a questão, reuniu-se um Concílio na cidade suíça de Constança, de 1414 a 1418. Cardeais, Arcebispos,Bispos, Teólogos, doutores, chefes de Estado e o próprio Imperador, entretanto, foram acometidos pela peste negra. Foi proposto que se fizesse uma procissão penitencial, invocando a proteção de São Roque.

Assim foi feito, e antes de terminado aquele ato público de penitência, obtivesse a erradicação da peste pela gloriosa intercessão do Santo.

São Roque e a Igrejas espalhadas pela Terra de Santa Cruz

Em nosso País, o maior número de paróquias dedicadas a São Roque localiza-se nos Estados onde os imigrantes italianos tiveram bastante influência para a escolha do patrono das cidades. Na cidade paulista de São Roque, existe a igreja mais antiga do Brasil em sua honra: foi fundada em 1733. Existem em todo o País 33 paróquias consagradas ao padroeiro contra peste: 12 no Estado de São Paulo, sete no Rio Grande do Sul, cinco no Paraná, três em Santa Catarina, duas na Bahia, duas em Minas Gerais e uma nos Estados de Mato Grosso, Rio de Janeiro e Espírito Santo. A mais nova cidade dedicada ao Santo é São Roque de Minas.

Em muitas partes é costume, no dia da festa que transcorre a 16 de agosto, dar-se a bênção aos animais domésticos e de criação. E também, doa-se cabeças de gado para um leilão, a fim de obter proteção e saúde para o rebanho; doa-se ainda galos velhos à festa, são os "galos de São Roque". Há devotos que vestem manto de peregrino para acompanhar a procissão, como ato de penitência. 

Vestem-se as crianças de Anjo, para lembrar os contínuos colóquios de São Roque com os protetores celestiais, que lhe indicavam o modo de curar os doentes. No dia da festa, benze-se também sal para ser dado aos animais, a fim de que São Roque os proteja contra doenças e pestes.

Igreja São Roque
Faxinal do Soturno - RS