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São Tarcísio, Mártir do Santíssimo Sacramento - 15 de Agosto

Segundo a tradição, o adolescente Tarcísio foi martirizado por um grupo de malvados, enquanto ele levava a Eucaristia aos cristãos, nos cárceres.  

O seu martírio deve ter acontecido dia 6 de agosto do ano 258, depois da Missa celebrada pelo Sumo Pontífice Sisto II, ajudado também por Tarcísio, que exercia o cargo de acólito. A ordem do acólito era reservada aos fiéis que mais de distinguiam pela bondade e pelas virtudes. Este jovem mártir foi incluído no martirológio romano no dia 15 de agosto, e comemorada a morte no cemitério de S. Calisto.


Segundo o Calendário de S. Basílio, o corpo de Tarcísio foi sepultado no “Cemitério de S.Calisto”, com Papa Estevão. Segundo Rossi e Maruchi, foi transferido para a assim chamada “Cela Tricora”, em um sarcófago junto ao Papa Zefirino. Paolo I (V767), o levou para a Basílica de S. Silvestre, no Capitólio, juntamente com outros corpos dos mártires. Atualmente se encontra na Capela do Anjo da Guarda (antes estava na atual capela de S.Domingos onde se conservava o Santíssimo). Uma relíquia se conserva em um gracioso cofre na Capela do Instituto S. Tarcísio, em Roma, na Via Ápia Antiga, 102.

Quem chega ao interior do cárcere, observa um verdadeiro contraste com aquela algazarra barulhenta da estrada.  Ali reina paz, serenidade, alegria e júbilo; os muros de pedra grega ecoam os cantos salmodiantes, entoados por Pancrácio e repetidos de um lugar para outro. Os prisioneiros do camerum respondiam aos irmãos em uma alternativa de versos, tirados dos salmos, que eram naturalmente, sugeridos pela circunstância.

Na vigília do dia em que deviam lutar com as feras, que os dilacerariam, se lhes concedia uma maior liberdade. Era permitido aos amigos das vítimas escolher aqueles que queriam para visitá-los, e os cristãos aproveitavam sabiamente desta permissão, indo à prisão e recomendando-os às orações dos benditos seguidores de Cristo. À tarde, os condenados eram conduzidos à cena livre, isto é a um abundante e até a um suntuoso banquete público. A mesa era circundada por pagãos sempre curiosos para ver como se comportariam e que aspecto assumiriam os combatentes no dia seguinte. Mas não percebiam nos cristãos nem ostentação insolente, nem a amarga prostração dos condenados comuns. Para aqueles comensais, o banquete era um verdadeiro ágape ou festa do amor, já que eles procuravam a verdadeira alegria, e a cena era animada por uma alegre conversão.

Enquanto os perseguidores preparavam o banquete material das suas vítimas, a Mãe Igreja preparava um banquete muito mais lauto para as almas de seus filhos, para enviar à tarde, aos campeões de Cristo, um número de partícula do Pão da Vida, suficiente para animá-los à manhã do dia destinado à luta.  

Quando o Pão Consagrado estava pronto, o celebrante se voltava ao altar, onde fora colocado a Vítima Santa, para ver a quem devia melhor confiar. Antes que algum pudesse se oferecer, o jovem acólito Tarcísio (de 12 anos) se ajoelhou em sua frente, com as mãos postas, prontas para receber o Sagrado Depósito. Com o seu semblante inspirando inocência, como aquele de um Anjo, parecia implorar para ser o preferido, ou melhor, quase que pedindo este direito.

- “Tu és muito jovem”, disse o bom celebrante muito admirado.

- “Padre, a minha juventude será a melhor proteção. Oh! Não me negue esta altíssima honra!”. Tinha as lágrimas nos olhos e em sua face era um róseo de modesta emoção, enquanto pronunciava as palavras. Erguia as mãos com tanto fervor e a sua oração era tão cheia de paixão e de coragem que o celebrante não pode resistir. Tomou os Divinos Mistérios, delicadamente envolvidos em um pano de linho e depois enrolou outro pano de linho, depositando entre as suas mãos dizendo:

- “Lembra-te, Tarcísio, este tesouro é confiado aos teus cuidados. Evita os lugares públicos durante o caminho, e recorda-te que as coisas santas não são dadas como alimento aos cães, e que as pérolas não são feitas para os porcos. Cuidarás fielmente os sagrados dons de Deus?”.

- “Morrerei antes que não compra o meu dever” – respondeu o santo jovem, colocando junto a si o alimento divino, e com serena reverência se colocou a caminho para cumprir a sua missão.

Transparecia de seu semblante uma graça não comum aos jovens de sua idade, enquanto enfrentava com passos rápidos pelas estradas, evitando os pontos mais freqüentados e aqueles mais desertos.

Quando estava perto dos portões de um grande palácio, a proprietária, uma rica matrona sem filhos, o viu e ficou fascinada pela sua beleza e pela doçura do seu semblante, enquanto ele se apressava pelo caminho com os braços cruzados.

- “Espere um momento, caro filho, disse, interceptando-lhe os passos – quem és? Diga-me, e quem são os teus pais?”.

- “Meu nome é Tarcisio e sou órfão, respondeu levantando os olhos sorridentes – não tenho casa, a não ser uma que talvez te desagrade em eu dizer”.

- “Então vem repousar na minha casa; tenho muito do que falar. Oh! Se tivesse também um filho como tu!”.

- “Agora não posso, senhora, agora não! Confiaram a mim uma sublime e sacra missão e não posso perder um minuto, antes de tê-la executada”.

- “Então me prometa de vir amanhã. Olha, esta é a minha casa”.

- “Se estiver vivo, virei certamente”, disse o jovem, com um olhar inspirado que parecia lembrar Patrícia, um mensageiro escolhido para das mais altas esferas sociais.  

Ela o seguiu um pouco com seu olhar e depois de haver refletido, decidiu segui-lo. Em seguida escutou um grande estrondo interrompido por bandos de insolentes, e ela parou até que ficou tudo em silêncio; depois retomou o seu caminho.

Entretanto, Tarcisio, absorto nos mais altos pensamentos que não fossem a herança de Patrícia, tinha apertado o passo e estava perto de uma praça, onde alguns rapazes estavam jogando, apenas saídos da escola.

- “Falta mesmo um rapaz para o nosso jogo. Onde o encontraremos?”, disse o chefe.

- “Oh! olha que combinação”, exclamou outro – Eis Tarcisio, que não o vemos há muito tempo. Antes era ótimo em toda espécie de jogo. “Vem, Tarcísio”, continuo apertando-lhe o braço 

- “Aonde vai com tanta pressa? Vem jogar conosco! Seja bom!”.

- “Não posso agora, Petílio; não posso mesmo! Tenho uma grande e importante tarefa a cumprir”.

- “E então virás à força” – disse aquele que havia falado por primeiro; um rapaz grande, estúpido e prepotente, que logo se colocou sobre Tarcísio. “Sabe que não admito réplica quando quero alguma coisa. Venha logo fazer parte do nosso jogo!”.

-“Te suplico” – disse o pobre menino, “deixa-me continuar meu caminho!”.

-“Nada disso” – rebateu o outro – Mas o que tens aí de tão precioso para levar com tanto cuidado? Será uma carta?  Não tem importância se chegar no seu destino, meia hora depois.Dê para mim que guardarei com segurança até que terminemos de jogar”. E estendeu a mão para tirar dele sacro depósito.

- “Não, não” – disse o jovem, elevando os olhos para o céu.

- “Então quero ver de que se trata” – insiste o outro em tom brusco – “quero saber em que consiste este teu precioso segredo” e começou a maltratá-lo. E logo se reuniu um grupo de curiosos, perguntando do que se tratava. Viram Tarcísio que, com os braços cruzados, parecia animado por uma força sobrenatural para poder resistir a um rapaz muito mais alto e maia forte do que ele, o qual queria ver o que Tarcísio levava no peito. Parecia que sua força, seus empurrões, ponta-pé, não produzissem algum efeito. O pobrezinho suportava tudo sem murmurar, sem a mínima tentativa de reação. Mas resistia corajosamente.

- “Mas o que é, de que se trata?”, perguntavam os presentes. Quando, por acaso, si viu passar por ali Fulvio e se ouviu um ajuntamento de curiosos em torno dos dois combatentes. Logo reconheceu Tarcísio, tendo-o visto na festa da administração das Ordens Sacras.

Quando algum do bando vendo-o vestido melhor que os outros, fez a mesma pergunta, respondeu em tom de desprezo, voltando-se a todos:

- “O que é? Não estão vendo? É um burro cristão que leva os Mistérios. Não há necessidade de mais nada”.

Fúlvio, que não queria perder a jogada tão mesquinha, soube bem o efeito que as suas palavras tinham produzido.

A curiosidade pagã de ver desvelados os Mistérios cristãos e a querer conduzir os ultrajes eram fomentados naquelas ações, e agora todos a uma voz pediram a Tarcísio para entregar o que tinha guardado.

- “Nunca, até eu esteja vivo”, foi a única resposta. Um operário lhe deu um tremendo soco, que o estonteou e o sangue começou a correr. Segui uma verdadeira tempestade de pancadas, até que pisado e maltratado, mas com os braços sempre apertando ao peito, o rapaz caiu por terra.

O bando foi contra ele, e houve quem, agarrando-o, estava já para tirar-lhe o tesouro, quando os assaltantes sentiram um empurrão à direita e à esquerda de dois poderosos braços.

Do grupo dos malvados, uns corriam até o final da praça, outros pulavam muros até caírem por terra, e os outros retrocederam na frente de um centurião de forma atlética, que foi a causa de uma rápida mudança da cena. Apenas tinham desocupado o terreno, ele se ajoelhou diante do jovenzinho e com os olhos cheios de lágrimas, levantou o corpo maltratado e desmaiado, com a ternura de uma mãe, e lhe pediu com a voz muito tenra:

- “Te fizeram muito mal, Tarcisio?”. 

- “Não pense a mim, Quadrato”, disse o rapaz, abrindo os olhos e sorrindo – “eu carrego os Sagrados Mistérios, tome aos teus cuidados”.

O soldado tomou o braço do rapaz com profunda reverência. Era como se levasse não só a doce vítima de um sacrifício jovem e as relíquias de um mártir, mas o mesmo Rei e Senhor dos Mártires e a mesma Divina Vitima da salvação eterna. O rapaz apoiou confiante a cabeça nos ombros do robusto soldado, sem diminuir um só instante o aperto fiel ao tesouro. O soldado não sentia peso algum do duplo fardo bendito.

Ninguém ousou impedir-lhe o passo, até que uma senhora foi ao encontro, olhando maravilhada. Foi bem perto e observou atentamente o rapaz que ele apertava entre os braços.

- “Não é possível! Exclamou aterrorizada – Este é o Tarcísio, o rapaz que vi há pouco, tão belo e gentil? Quem o reduziu a este estado?”.

- “Senhora, disse Quadrato – queriam matá-lo porque era cristão”. A mulher olhou um instante o semblante do jovenzinho, que abriu os olhos, sorriu e expirou. Daquele olhar emanou um raio de fé. E ela se fez logo cristã.

O venerável Dionísio, com os olhos velados de lágrimas, removeu as mãos do jovem e tirou o Santo dos Santos. Parecia a ele que agora Tarcísio se assemelhasse mais a um anjo, dormindo o sono dos mártires, não como antes, quando estava ainda vivo. Quadrato mesmo levou seu corpo mortal ao cemitério de Calisto, onde a vítima foi sepultada entre a admiração dos seus companheiros de fé mais velhos do que ele.  Depois o S. Papa Damaso compôs uma inscrição:

Enquanto um criminoso grupo de fanáticos se atirava sobre Tarcisio que levava a Eucaristia, o jovem preferiu perder a vida antes que deixar aos raivosos o Corpo de Cristo”, para profaná-la.

A notícia de tudo o que aconteceu chegou aos prisioneiros somente depois do banquete. Talvez o medo de serem privados do alimento espiritual que lhes daria força, foi o único motivo de perturbação, mesmo se leve, da serenidade deles. Naquele instante entrou Sebastião e se deu por conta que uma desagradável notícia havia chegado aos cristãos e percebeu do que se tratasse. Infundiu então coragem aqueles seguidores de Cristo. “E assegurou-lhes que não seriam privados do alimento suspirado”.             

Tarcísio foi, primeiramente, sepultado junto com o papa Stefano nas catacumbas de Calisto, em Roma. No ano 767, o papa Paulo I determinou que seu corpo fosse transferido para o Vaticano, para a basílica de São Silvestre, e colocado ao lado dos outros mártires. Mas em 1596 seu corpo foi transferido e colocado definitivamente embaixo do altar principal daquela mesma basílica.

A basílica de São Silvestre é a mais solene do Vaticano. Nela, todos os papas iniciam e terminam seus pontificados. Sem dúvida, o lugar mais apropriado para o comovente protetor da eucaristia: o mártir e acólito Tarcísio. Ele foi declarado Padroeiro dos Coroinhas ou Acólitos, que servem ao altar e ajudam na celebração eucarística.