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São Tomé, o Ascético: Felizes os que não viram e creram


"Se eu não vir em suas mãos o lugar dos cravos e se não puser o meu dedo no lugar dos cravos e minha mão no seu lado, não crerei." Oito dias depois, achavam-se os discípulos, de novo, dentro de casa, e Tomé com eles. Jesus veio, estando as portas fechadas, pôs-se no meio deles e disse: "A paz esteja convosco!" Disse depois a Tomé: "Põe teu dedo aqui e vê minhas mãos! Estende tua mão e põe-na no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê!" Respondeu-lhe Tomé; "Meu Senhor e meu Deus! Jesus lhe disse: "Porque viste, creste. Felizes os que não viram e creram!" (Jo 20,25-29)


Chamado de Dídimo, natural da Galiléia, São Tomé foi um dos mais influentes e produtivos dentre os vários discípulos que foram para o Oriente, incluindo os Santos Bartolomeu, André, Simão e Judas. Os ensinamentos destes homens ficaram perdidos para as Igrejas do Ocidente, mas continuam atuais para as tradições ortodoxas e orientais. 

Ao contrário de Pedro e Felipe, estes Apóstolos não eram casados. O ascetismo (prática da ascese), era um importante ponto de contato espiritual entre eles e seus ouvintes orientais, que já idealizavam o ascetismo como uma medida de maestria divina.

Como seus ensinamentos foram "lembrados" e registrados, o ascetismo foi enfatizado e se tornou o ponto central. Muitas lendas e tradições destes grandes santos foram preservadas em evangelhos apócrifos dos três primeiros séculos, o que permite a recuperação de seus ensinamentos. Tomé, em particular, foi muito estimado e há evidências de que tenha viajado não só à Pérsia, mas até mesmo à Índia, provavelmente acompanhado por Bartolomeu e Judas, trazendo talvez um Evangelho Hebraico original de Matias à Índia.


Tomé, o Místico

São Tomé era uma pessoa profundamente mística, assim como São João e São Felipe. 

Tomé criou linhas apostólicas de sucessão em todos os lugares por onde passou no Oriente, indo de sinagoga em sinagoga. Isto inclui Síria, Armênia, toda a região da Caldéia (Pérsia), e Índia. Os Cristãos de Tomé de Malabar ainda sobrevivem.

Segundo o bispo Eusébio de Cesaréia, do século IV, depois da morte de Jesus, o discípulo evangelizou a Pártia e, pela a tradição cristã posterior, estendeu seu apostolado à Pérsia e à Índia, onde é reconhecido como fundador da Igreja dos Cristãos Sírios Malabares ou Igreja dos Cristãos de São Tomé. Consta que foi martirizado e morto (53) pelo rei de Milapura, na cidade indiana de Madras, onde ficam o monte São Tomé e a catedral de mesmo nome, supostamente local de seu sepultamento. Sucumbiu como líder e mártir, como o crente fiel que Jesus lhe pediu. 

Suas relíquias seriam veneradas na Síria e, depois, levadas para o Ocidente e preservadas em Ortona, na Itália. 

O Evangelho de São João dá grande destaque a Tomé. Em João 11,16, ele incita os discípulos a seguir Jesus e a morrer com ele na Judéia: "Tomé, chamado Dídimo, disse então aos discípulos: ‘Vamos também nós, para morrermos com ele!’" É ele que pergunta a Jesus, durante a Última Ceia, sobre o caminho que conduz ao Pai: "Tomé lhe diz: ‘Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho? ’ Diz-lhe Jesus: ‘Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim’" (João 14,5-6).

Tomé encontrou Jesus Ressuscitado (João 21,2) e de temperamento audacioso e cheio de generosidade, percorreu as etapas da fé e professou que Jesus era realmente Deus e Senhor: Oito dias depois, achavam-se os discípulos, de novo, dentro de casa, e Tomé com eles. Jesus veio, estando as portas fechadas, pôs-se no meio deles e disse: "A paz esteja convosco!". Disse depois a Tomé: "Põe teu dedo aqui e vê minhas mãos! Estende tua mão e põe-na no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê!" Respondeu-lhe Tomé: "Meu Senhor e meu Deus!" (João 20,26-28). 

Com este ato de fé e de amor a Jesus apagou a sua dureza e deixou à Igreja a melhor jaculatória: "Mais nos serviu para a nossa fé, diz S. Gregório Magno, a incredulidade de Tomé do que a fé dos discípulos fiéis". 

Felizes os que acreditamos sem ter visto, só em virtude da palavra dos que viram!

Tomé trabalhou muito na Pérsia e na Índia. No seu escudo aparecem um esquadro de marceneiro e uma lança. O esquadro é uma referência à tradição que diz que ele construiu, na Índia, uma igreja com suas próprias mãos. Tomé morreu quando foi atingido por flechadas e pedradas enquanto orava. Logo em seguida um sacerdote pagão lhe atravessou uma lança. Por este motivo há uma lança no seu escudo. O dia 3 de julho celebra a festa do Apóstolo S. Tomé. 

Sua vizinhança com a festa de S. Pedro tem suas razões. Tanto Pedro como Tomé, no Evangelho, dão testemunho da fé em Cristo. Pedro, de maneira espontânea, mas levado pela graça de Deus, foi o primeiro a professar sua fé em Cristo, em Cesaréia de Felipe. E Tomé, com resistência, foi o último dos apóstolos a render-se à fé na ressurreição do Senhor.

Mas há outro aspecto, que hoje em dia se torna muito importante. Pedro deu seu testemunho em Roma, e com isto a Igreja de Roma passou a ter importância especial na transmissão de fé para as gerações futuras.

E Tomé foi o apóstolo mais arrojado na missão, tendo chegado até a Índia, onde fundou uma tradição cristã que ainda hoje continua. 

Pois bem, se Pedro evidencia a importância Biografia histórica da Igreja de Roma, como garantia de fidelidade e de unidade de toda a Igreja, Tomé nos mostra que a fé precisa se enraizar também em outras culturas, em outros lugares, em outros continentes. 

Como o Evangelho de Cristo lançou raízes em Roma, ele tem o vigor de suscitar novas expressões de Igrejas, iluminando outras culturas e fermentando-as com a força transformadora da mensagem de Cristo.

Cristo fundou sua Igreja sobre doze apóstolos, para simbolizar a diversidade de feições que a Igreja pode ir assumindo, na medida em que se encarna das diferentes culturas do mundo. 

Sem perder sua unidade e sem comprometer sua fidelidade, a Igreja de Cristo é chamada a ser romana, indiana, americana, africana, chinesa, e assim por diante. 

O Apóstolo Tomé, com sua ousadia de chegar até a Índia, e suscitar lá uma tradição cristã que atravessou os séculos, nos aponta o caminho para o Evangelho chegar "até os confins do mundo", como Jesus profetizou.

A Incredulidade de Tomé

Esse apóstolo a quem obstinadamente fazemos a injustiça de chamá-lo incrédulo, se despede do Evangelho com breve e alto grito de fé "Meu Senhor e meu Deus!" Ninguém até aquele momento, nem mesmo Pedro e João, havia pronunciado a palavra Deus dirigindo-se a Jesus. Ao titubeante e sofredor Tomé e à sua necessidade interior de clareza devemos as confortáveis palavras de Cristo, epílogo do Evangelho e ponto de força para os futuros crentes: "Porque me viste, Tomé, creste. Felizes os que não viram e creram". 

A incredulidade de Tomé, como também as negações de Pedro, foram as conseqüências do amor e da dor, e por isso foram transformadas em bênçãos e sustento da fraqueza humana pela misericórdia de Deus.

As primeiras palavras pronunciadas por Tomé no Evangelho são de desconforto. 

Marta e Maria haviam suplicado a Jesus que fosse à cabeceira de Lázaro, mas voltar novamente à Judéia, após as ameaças feitas pelos inimigos, era se expor a grande perigo. 

Jesus, porém, diante das objeções dos apóstolos, mostrou-se decidido e foi aí que Tomé exclamou aflito: "Vamos também nós e morramos com ele". 

A segunda intervenção de Tomé. Jesus reunia os discípulos no cenáculo. Suas palavras têm um tom de despedida: "Para onde eu vou vós sabeis e sabeis também o caminho". Todos calam, tomados pela emoção; só Tomé ousa objetar: "Senhor, nós não sabemos para onde vais, e como poderemos conhecer o caminho?" 

A resposta de Jesus é outro presente, que introduz Tomé e nós no âmago do mistério trinitário. Jesus lhe respondeu: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim. Se vós me conheceis, conhecerão também meu Pai. Desde este momento vós o conheceis".

Tomé precisa mais que qualquer outro da Páscoa para ter resposta definitiva às suas interrogações, sua ausência junto aos apóstolos quando da visita de Jesus ressuscitado, outro providencial incidente: "Se eu não vir em suas mãos o lugar dos cravos e se não puser o meu dedo no lugar dos cravos e minha mão no seu lado, não crerei." E Jesus pode responder: "Põe o teu dedo aqui e vê minhas mãos... Não sejas incrédulo, crê!". 

Alguns estudiosos pensam que esta dúvida foi propositadamente sugerida por Deus, para que fosse possível alguém tocar nas chagas de Jesus, ficando assim, sem a menor sombra de dúvida, a certeza de que Jesus havia ressuscitado.

São Gregório Magno em uma de suas homilias diz claramente: "O que vocês pensam quando São Tomé não acreditou e Ele voltou para ser visto, ouvido, tocado e acreditado!? Uma maravilhosa Providência Divina visto que Tomé era o único ausente e tudo foi arranjado por Ele para que Tomé fosse o exemplo da maravilha da misericórdia Divina aos descrentes. Tomé ao tocar as feridas, curou a grande ferida da descrença".

Nag Hammadi

Pequena localidade no Alto Egito, onde em 1945, o camponês Muhamad Ali as-Salmman, encontrou um grande pote vermelho de cerâmica, contendo treze livros de papiro encadernados em couro. No total descobriram cinqüenta e dois textos naquele sítio. Na primeira análise, para surpresa do Dr. Quispel, a primeira linha traduzida do copta foi: "Essas são as palavras secretas que Jesus, O Vivo, proferiu, e que seu gêmeo, Judas Tomé, anotou".

Os manuscritos, hoje conhecidos como Evangelhos Gnósticos, ou Apócrifos (Apocryphom literalmente livro secreto), revelam ensinamentos, apresentados segundo perspectivas bastante diversas daquelas dos Evangelhos Oficiais da Igreja; como por exemplo este trecho atribuído a Jesus, O Vivo: "Se manifestarem aquilo que têm em si, isso que manifestarem os salvará. Se não manisfestarem o que têm em si, isso que não manifestarem os destruirá."

Além dos Evangelhos (ensinamentos atribuídos a Jesus Cristo através de seus apóstolos) outros textos compõem o legado de Nag Hammadi, de cunho teológico e filosófico.

Os papiros encontrados em Nag Hammadi, tinham cerca de 1500 anos, e eram traduções em copta de manuscritos ainda mais antigos feitos em grego e na língua do Novo Testamento, como se constatou, ao verificar que parte destes manuscritos tinham sido encontrados em outros locais, como por exemplo alguns fragmentos do chamado Evangelho de Tomé. As datas dos textos originais estão estimadas entre os anos 50 e 180, pois em 180, Irineu o bispo ortodoxo de Lyon, declarou que os hereges "dizem possuir mais evangelhos do que os que realmente existem".


Acredita-se que os manuscritos foram enterrados por volta do século IV, quando na época da conversão do imperador Constantino, os bispos cristãos, passaram ao poder e desencadearam uma campanha contra as heresias. Então, algum monge do mosteiro de São Pacômio, nas cercanias de Nag Hammadi, tomou os livros proibidos e os escondeu no pote de barro, onde permaneceram enterrados por 1600 anos !


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